Eu acho que vou estragar tudo. Ou talvez você o faça. Não, mas de fato, creio que o farei antes. Com minha ansiedade, minha pressa, meu tesão. Avassalador. É que eu tenho um buraco tão grande aqui que cabe você. Inteiro. De pé, de frente, de lado, deitado. Atravessado, atravessando. E ainda sobra espaço. Sempre vai sobrar. Nunca serei preenchida. Mesmo quando transbordo e ainda que transborde. No íntimo - ao contrário do que se experimenta fora - onde transborda também há vazio. Dá pra ser cheio e sem fundo, ao mesmo tempo. E assim, o sou.
Reticências
"As reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho" - Mário Quintana
quarta-feira, 16 de novembro de 2022
sexta-feira, 4 de novembro de 2022
A começar por ele
Eu vou te explicar e você vai me entender. A mim, é muito mais cara, nossa amizade. É onde me sinto especial: nas horas que você gasta perdendo tempo comigo. Veja, que aí me sinto diferenciada, destacada, singular. Quando sei que em meio a tudo e todos, você recorre a mim. Veja: sou escolhida. Eleita por ti -mesmo que por mérito de meu empenho e dedicação - aquela que você confia. Talvez eu esteja superestimando meu cargo. Mas deixa, vai. Eu preciso ter reconhecida importância. Não aceito não ter. Independente de onde seja, só quero que seja. E assim, posso seguir satisfeita; consigo abrir mão do resto, de todo resto que já quiz, de todo lugar que já almejei ter em você. Em troca de ter um lugar que é só meu (em ti). Nele eu vejo verdade, e vejo presença, te sinto presente. Nele, nós estamos. Estamos porque queremos, quando queremos. Abre-se um portal, a gente entra, só nós dois. É nosso esconderijo, nosso lugar secreto, de intimidade. Ninguém o sabe. É segredo nosso. Fica entre a gente.
Eu que não te quero superficialmente e nunca quiz. Orgulha-me ter esse lugar nosso. Tenho a certeza de cada peça fundamental que eu pus para estruturá-lo e hoje ei-lo. Quando te escuto, leio que encontro verdade, verdade que se ausenta em seu beijo, em seu sexo. Sem intenções, sem performar - ou pelo menos, numa escala extraordinariamente menor. Por vezes criava uma narrativa e contexto que, em tocando meu corpo, teatralizava tocar minha alma, numa encenação amorosa-forçada desnecessária. Apenas por achar que eu cairia, que fosse o que eu gostasse de estar vivendo ali. Intencionava o inesquecível, quando na realidade, nada o é. Quando na realidade, eu estava ciente de toda engenhosidade por trás de cada gesto ou frase. Do teatro, só me envergonho por você. Gostaria de dizer "dispense". São tantas as ladainhas que conta sem roupa que de fato só te vejo nu quando está vestido. Falando de si próprio: é aqui que encontro sua nudez. Eu que te quero nu. Liso. No pelo. Na alma. E por isso, abri mão de insistir te querer onde você não se revela. Parei de endereçar a você lugares que você não pretendia estar, tampouco chegavam a te interessar.
Eu quero de você o que ninguém mais conhece, ou tem. Longe de eu ter um papel de suma importância, destaque; sei-me completamente descartável: em segundo, terceiro ou quarto plano. O que não quer dizer-me inútil, ao contrário, sinto-me insubstituível, ímpar, indelegável. É de onde advém o sentir-me especial.
Saber meu lugar, nem sempre é fácil, mas sei o quão necessário é. Se a princípio nele me pus por bom seno, e por vezes cai em contraditório por não o aceitar, hoje o tenho mais claro, calmo, condizente e confortável. E meu. Se ontem eu lutava por querer mais, hoje reluto quando você quer ultrapassar suas fronteiras e misturar as peças que eu tanto trabalhei para que se encaixassem harmonicamente. Gosto da harmonia. Gosto muito da harmonia. Gosto muito de poder ter harmonia aqui e saber que não precisei te abandonar. O que estamos fazendo com nós dois é o melhor que podemos fazer com nós dois. Não há um "mais" possível, não há um "melhor" possível. É bom saber estar no topo. Eu gosto, só gosto. E não (te) espero mais.
quinta-feira, 3 de novembro de 2022
Travessia
É que eu me sinto como ponte. Estrada, avenida. Eu te sirvo para o percurso. Te levo de um lugar, a outro lugar. E então, você segue. Sinto-me mesmo, às vezes, como chão. Chão para que o outro passe por cima. Você vai e eu lá fico.
É difícil que ninguém fique, só passe. Sinto falta de ficar. Sinto falta de sair. Sinto falta. Falta. Tem quem (me) atravesse mais devagar. Tem quem acelere de repente. Tem quem passe tão depressa. Tem quem nem repare que eu estou (sou) ali. Tem quem carregue tanta carga e tão pesada, e eu a sinto em mim, pesando. Só é certo que, por fim, todos passem.
Tanto vai e vem me deixam marcas, buracos, pedras soltas. E quando me chove, é ter que lidar com a lama que fica, e me transbordam os buracos. Não consigo me levantar. Chego acreditar em natureza, natureza humana, natureza ponte. Mas é só porque preciso acreditar, justificar, entender. Que mais fácil é crer que sou obra de fora e não de dentro; que há um criador que ao criar, escolheu para mim o lugar de ponte e não de banco de praça, ou de pracinha, ou de parquinho... Assim, isento-me. Isento-me da responsabilidade de ser o que sou. E se não consigo transmutar-me em outra estrutura, sigo buscando um melhor jeito de sê-lo. Acovardo-me em buscar aí, beleza. A beleza do ser-ponte. Romantizar é o instrumento que uso para não me mover. Como me é caro, minha estrutura. Aceito inteiramente minha condição e nos enfeites que dou, experimento alguma liberdade. Finjo que sou a dona, e agora sim, obra de dentro e não de fora. Acho meu jeito de ser ponte. Abraço minhas rachaduras e assumo que são minhas. Mais que isso: encontro nas minhas rachaduras um propósito, sem ficar presa no lamento de sua existência. Abraço meu ser ponte. Agarro-me em ver nele uma beleza que logo hei dizer. E só assim consigo fazer as pazes, com o que sou, abandonar a vontade do que não posso ser - carrinho de pipoca?
Pois me diga você: se não há beleza em ser responsável por dar alguém uma passagem tranquila e segura? E se não é mais importante o caminho que os fins? E se esse meu modo não consiste puramente em respeitar o direito de ir e vir? E se tão logo, aqueles que se vão, também retornarão? Uma, duas, ou quantas vezes mais? Porque ficaria presa na dor de que não permaneçam. Viro o jogo a meu favor.
Se pego na sua mão e contigo atravesso. Sinto que fico o tanto que durar o percurso e então, é isso. Aproveitar o percurso sabendo a finitude, saber dizer adeus.
Na travessia, tantas coisas, e você sempre terá boas lembranças, aprendizados. Se isso não for belo, questionarei a estética; se acaso não pense assim, duvidarei de seu bom gosto e senso.
Viver no transitório parece incessante e sem descanso. Sem pausa. Não se pode repousar. É estar sempre em movimento. Perpétuo. Eis a sentença. Sinto-me, mesmo, esgotada. Nessa, acabo me esquecendo que é preciso fazer reparos em mim e cuidar das deformações. Bom seria se alguém viesse e me deixasse nova, inteira. Mas talvez eu seja grande demais para que um só consiga (já que eu mesma, olhando daqui, não consigo ver nem meu começo e tampouco meu fim). Mas talvez, eu seja totalmente funcional como sou. Mas talvez, a vida seja mesmo isso. Mas talvez, eu precise muito manter essas imperfeições. Mas talvez, não haja nada para além disso. Mas talvez, o que eu quero não exista. Mas talvez isso seja eu, e meu eu dependa de ser assim - remendo. Meu modo. Modo tão longo e breve, como uma ponte. Estrada, avenida.
"Eles passarão, eu passarinho" - Mario Quintana
domingo, 11 de agosto de 2019
Carta aberta a quem possa vir a ser por mim no fim de minha vida
Peço, primeiramente e sobretudo, paciência: você também ficará velho, talvez já até esteja. Segundo: obrigada por tudo que tem feito a mim, espero que ter feito a você enquanto pude e se não o fiz, perdão. Perdão também por todo transtorno que possa estar causando, por aquele que já causei e pelo que está por vir. Fique certo de que não é de minha vontade tudo isso. Não. Antes morrêssemos quando não mais fossemos donos de nós mesmos.
sábado, 6 de janeiro de 2018
Sinto que regredi. Logo eu. As experiencias vão nos levando a mudanças, as vezes, tão radicais e impensáveis que em certo momento já não nos reconhecemos bem. Não sabemos quem somos, quem nos tornamos, o que permitimos que a vida fizesse conosco. Viver deixa marcas. Algumas são demasiadamente doloridas. Marcas, de uma amargura tal, que entala na garganta e dali não passa. Emudece. Há perigo nesses silêncios. Há perigo... Porque se não atinge a língua e vai boca afora, retorna ao interior e lá permanece. Ocasionalmente, sente-se o estômago revirado por má digestão de palavras. As entranhas sofrem. A alma se encolhe, ensimesmada. Dores. Doloridas dores. Dores em tons de cinza. Opacas, sem brilho. Dores cheias de ar; comprimindo os pulmões, comprometendo o volume da respiração. Falta de ar.
Até onde você suporta que doa? por acaso lhe é conhecido seu ponto fraco? Seu calcanhar de aquiles, você sabe citar? Que lugar a vida é capaz de chegar e te submeter, te reprimir, te agredir, desconcertar, até que você chore de medo? Até que você sucumba as regras impostas? E simplesmente aceite. E simplesmente se anule. Enfraquecendo os ideais, afrouxando as convicções...? Fazendo ruir por terra cada tijolinho que você se esforçou para por no muro durante todos os anos de sua existência-casa? E vira brinquedo de outrem. E já não escolhe por vontade própria, e já não almeja mais os próprios sonhos.E se pega a falar de coisas que jamais pensou dizer. E defende posições que jamais lhe pertenceram. E se vê a relativizar questões cuja resposta era implacável. Torna-se vacilante, incerto, inseguro. Teme as consequências de cada ato e já não age como antes. Já não se veste como antes, já não se porta como antes. A ferida, por tantas vezes cutucada, já não aguenta mais qualquer aperto. E aí você é domado em seu lugar mais seu. Intimamente perturbado. Intimamente penetrado. Intimamente vacilante. Em cerne, corrompido.
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
quinta-feira, 15 de junho de 2017
sábado, 10 de junho de 2017
segunda-feira, 24 de abril de 2017
Só com ela meu peito se ilumina, meus olhos se colorem, e minha cabeça se perde a construir um futuro, entre mil planos e cenas felizes protagonizadas pelo amor que sinto por ela. Tento maneirar nas expectativas e na grande besteira que é tudo isso, que é condicionar nossa vida a de outra pessoa. Me estremesse pensar no risco que me submeto em tanto querer atrelas minha vida a dela. No fato de que ela é livre para escolher e optar por outro destino. Mas me permito perder o juízo e me entregar as delícias da fantasia. Eu te pergunto: como não querer essa mulher? Como não querer pertencer a ela, aos seus sonhos, ao seu desejo, ao seu carinho... como não deixar que ela me hipnotize e faça de mim o que bem querer. Como não querer acordar ao lado dela a cada manhã, abrir meus olhos e ver antes de qualquer outra coisa, essa pele recém nascida, sentir esse cheiro doce de quem parece estar sempre limpa, esses cabelos macios, e essa carinha que a noite toda vez amarrota. Como não querer essa vida? Essa vida com ela ao meu lado. Eu a quero acompanhar crescer, a quero acompanhar descobrir o mundo. Ouvir suas histórias diárias, as queixas, as coisas engraçadas, os contratempos. Como não querer protegê-la dos males do mundo, comprar brigas em seu nome, prometer o impossível e tantas outra coisas pelas quais sei que vou fracassar. Não importa, que fracasse. Quero fracassar com ela, por ela, diante dela. Não quero um amor falso, quero um amor vivo, imperfeito. Um amor Torto. Porque para mim, só assim é belo, só a verdade é bela, a nudez, o sentimento cru, diante de mim, exposto até o osso, tal como é. Sem máscara, sem firulas, sem disfarce, sem fingir ser o que não é. Amor de carne, osso e sangue. Pra valer, humanamente, humano. E ainda assim, sublime. Divinal.
Que me perdoem as fadas, mas não quero seus contos, quero apenas contar. Contar cm ela, para toda vida, para as alegrias, para me frustrar, para sucumbir, chorar de raiva, chorar de rir, chorar, para o Natal, páscoa e os outros feriaods. Para viajar, para ficar em casa usando meias, para faxina, para cozinhar, para carregar sacolas de compras.Aturar parentes, aturar falsidades, fazer artesanatos. Escolher um par de sapatos ou a marca certa do sabão em pó. Quero essa mulher para termos filhos, para formarmos uma família. Talvez comprar um carro, talvez fazer uma horta.
Porque esta mulher me devolveu o sangue das veias, o calor do corpo. Recolocou a poesia que há em mim em seu devido lugar. E se você esta me reconhecendo nesse texto como há tempos não me reconhecia, não é ilusão sua. É tudo graças a ela. É a ela à quem devo, por ter recuperado a mão da minha escrita.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
Uma vez, eu tive um amigo. Eu tive um amigo uma vez, uma vez. Mas, assim como tudo na vida é breve e tem determinado tempo para existir, essa amizade também se foi. E o tempo a levou, assim como leva a todas as coias, pra um lugar que eu não sei. Talvez o passado. Talvez seja lá onde more as coisas que o tempo leva: o passado, a lembrança, a saudade. Porque o que não é a vida, senão um eterno aprendizado de dizer adeus? Que é a vida senão uma eterna despedida, um eterno despedir-se. Um eterno ir e vir, à espera do fim maior.
Eu queria ter o poder de negociar com o tempo para que ele me deixasse ficar um pouco mais com algumas pessoas. Eu queria chegar ao pé do ouvido do tempo e pedir-lhe encarecidamente bem baixinho que ele se prolongasse um pouco mais, só um pouco mais.As vezes E me deixasse ficar um pouco mais com as pessoas que eu amo. E que esquecesse um pouco de si mesmo, se prolongasse e postergar-se o adeus. Para que eu pudesse aproveitar um pouco mais. E ficar um pouco mais. Só um pouco mais.
Mas o tempo, parece mesmo ser irredutível, inegociável. Impossível de ser dobrado.