segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Outro dia, fui eu quem cochilou na rede do quintal. Havia feito tanto calor naquela noite, consequentemente, eu havia dormido muitíssimo mal. Mesmo com todo o bafo que fazia de tarde - daqueles que se vê o vapor brotando do chão e distorcendo a visão do horizonte - o sono me venceu e eu dormi ali mesmo, embalado no balanço da redinha. Tinha uma borboleta, grande. Grande não, gigante, tanto que mais parecia um morcego. Azul-turquesa. Turquesa real, da mais alta realeza. Tratava-se de um animal nobre. Voava, e as asas refletiam a luz do sol forte que batendo na vista, cegavam a qualquer um que olhasse. Que insetinho mais deslumbrante. Lindo, mesmo e demais. Uma cena linda, encantadora. Sublime, de fazer qualquer queixo ir ao chão. Uma natureza pura e radiante que faz a gente constatar a existência e perfeição de Deus, criador, e pensar na beleza da vida, na beleza das coisas, na grandeza do mundo.  Apaixonado por ela, levantei e arrisquei segui-la. Ela dançando no ar, toda formosinha, parecia que sabia que estava sendo admirada, parecia querer mesmo me conquistar e que era de propósito que se rebolava toda. Ia e vinha, brincando comigo, dando e me tirando a esperança de uma aproximação. Eu sorria para ela com cara de pateta, complemente hipnotizado, entregue, devoto. Absorvido por sua doçura e delicadeza de movimentos. Imerso integralmente naquele instante. Só havia eu e ela, mais nada. Por quanto tempo permaneci no transi? Não sei ao certo. Podem ter sido minutos, pode ter sido uma vida inteira. Perdi a noção. Pareceu eterno, mas não pode ter sido. Porque houve depois, houve um agora, houve e está havendo esse momento em que me encontro e te encontro, de estar aqui te contando tudo, de estar sendo lido por você. Eu acredito que quando dá pra contar é porque já virou passado. E o eterno não tem passado - ou tem?. Por isso, devem ter sido breves os momentos em que estive ali, entregue de corpo e alma para aquele bichinho. Nas mãos de um ser que só tem asa. E sem mãos não pode me segurar. E foi aí que eu cai. Na rede, de bruços, dormindo, acordei. De súbito, meio sem ar, assustado, dei um pulo só. Procurei pela minha amada borboleta. Esfreguei os olhos com as mãos, tentando limpar qualquer possível obstáculo. Respirei, e vasculhei toda a realidade em torno. Não era real. Meu coração se partiu - deu para ouvir o barulho. Iludido e de volta ao mundo, dei um tapa num pernilongo que me picava no alto da canela. Eis o inseto que me cabia.