quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Só porque hoje estou de falar da vida. Te contaria de todas as coisas. Por certo, se surpreenderia. Sei que de mim, você não sabe e nem imagina nadinha. Porque seria diferente com as coisas do mundo? Sentei num banco de praça, a olhar o tempo. Daqui se vê o tempo. Um tempo corrido, de gente com pressa, que mal te vê. Gente a sair de todos os lados, Andando por toda parte, cruzando todos os possíveis cruzamentos, indo para qualquer canto. Não faço ideia de quem sejam, mas não seria difícil inventar historias para cada um deles. Dar-lhes nomes, dar-lhes ofícios. Uns filhos, uns pais, uns solitários. Nenhum rosto é enigmático ao ponto de me travar a imaginação. Ninguém esta a salvo de um estereótipo ou caricatura. Não há obviedade, seria ingênuo condenar assim, as pessoas a uma identidade certa. Há um pouco de intuição, e um pouco do preconceito. A brincadeira não é desvendar quem é quem, mas criar uma narrativa através do que consigo perceber. Minha percepção, mas poderia ser a sua e muito provavelmente, nossas histórias teriam pontos comuns. Somos do mesmo mundo, temos nosso próprio tempo. É ele que observo daqui, o nosso tempo. A cara do nosso tempo, suas fuças e ventas, que não ventam. E o ar fica parado enquanto o tempo corre. Pelo menos aqui, de onde estou sentado, nesse banco de praça.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Gostaria de lhe escrever, mas já não sei como. Foram tantas palavras. Talvez tenha usado todas ou talvez não tenha mais cabimento. Essa nossa distância... que sempre foi questão física. A presença que já mudou de forma por tantas vezes. A paz (enfim) presente. Que nada a pode roubar, que ninguém tira. De todo amor que eu tenho, metade veio de você. Inteiro, esse amor podia ser só seu. Mas, você me ensinou mais... a perder esse egoísmo. Me ensinou a repartir esse amor nosso, para um monte. Com você eu aprendi a muitos trancos, o que eu mais busquei. Eu que sempre amei errado, hoje acho que amo melhor. Mais livre, menos dolorido. Amo sem querer para mim, amo sem querer ser de ninguém. Amo por amar. Sem explicação, sem precedentes, sem forçar nada. E consigo, amar. Novamente, E de novo. E por várias vezes. O mesmo e a outros. De todo amor que há, um carinho especial fica sempre guardado (para você). No canto do meu sorriso, você vive. Tem lugar cativo na melhor parte de mim, a parte que só existe por que um dia te encontrei.


"Vou te amar para sempre porque crescemos juntos. E você me ajudou a ser quem eu sou. Eu só queria que você soubesse que sempre terá uma parte de você em mim. E sou grato por isso. Seja lá quem você se tornou, onde quer que esteja no mundo, estou te mandando amor"


domingo, 13 de julho de 2014

Porque escrevo tão amargo? É que o doce eu uso nos meus dias.  Resta sempre um sumo azedo do que faço diariamente, enquanto corre a vida e escorre o suco. Essas linhas são o que sobram, é o resto. É o que eu faço do que resta e não tem lugar em mim. E jogo tudo aqui: eis minha lixeira.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

E hoje você pode trazer o maior dos gigantes que eu enfrentaria, pode fazer chover até alagar as ruas, inundar as casas, que eu sobreviveria e salvaria muita gente. Pode roubar o sol que o frio não me assustaria. Talvez fosse de sua preferência apagar a lua, mas não importaria, pois o calor do dias eternos seria meu alimento. Hoje, podem morrer todos os parentes que eu ainda iria sorrir e mesmo que me quebrassem todos os dentes, uma boca desdentada insistiria em mostrar felicidade. Hoje eu correria até o outro lado do mundo, num só folego. Pegaria todo o lixo dos rios com as próprias mãos. Teria forçar para soprar para longe todas as nuvens do céu. Eu, que sou apenas um ser humano, ganhei hoje a imortalidade. Virei um ser excepcional. Hoje eu sou o dono do mundo. E por isso, posso escolher o que eu quiser. Não posso, entretanto, escolher mudar as regras: será só por hoje. Amanhã, torno a ser de carne e osso. E as mortes me doerão, e o frio corroerá meus ossos, o sol torrará minha pele, a enxurrada me fará sucumbir e as lágrimas me afogarão. Mas isso é só amanhã. Hoje eu sou rei, dono e deus.  

sexta-feira, 2 de maio de 2014

E, então, tornei-me rainha. Do dia para a noite. Com direito a louvor e a banquete. Vestiram-me com as vestes de um soberano. Deram-me posição e refúgio, um castelo que nunca vi (antes). Mas, antes que me encham de soberba, atribua a ela quem a merece. Não tinha ontem o lugar que tenho hoje. Mas quem me deu, o tinha. As joias preciosas foram postas em mim, como presente. Estão em minha posse hoje, mas sempre estiveram com outro. Toda glória está naquele que faz do guerreiro, um grande combatente. Tantos morrem sem chegar a completar o sonho, ou antes, se perdem no caminho pela tentação ou pela falta de fé. Forte é aquele que concede ao outro a força de conquistar um reino. Glorioso daquele que torna uma mulher, rainha. Uma criança, filho; um animal, companheiro; um papel, arte; um som, sinfonia. A glória maior é daqueles capazes de tornar seres humanos em homens de bem.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Hoje me lembrei da música do seu despertador. Não sei o nome, nem o cantor, nem o idioma consigo definir com certeza. Mas, lembro dela, e poderia reproduzi-la a meu modo. Era uma música bem desagradável de ser ouvida pela manhã. Era bem incômoda e sem contexto. Nunca entendi a procedência ou propósito daquela canção. Posso chutar que você tenha a conhecido por acaso,  num círculo de amigos, onde algum pseudo-intelectual tenha citado  o cantor ou a própria música. E aí, teria sido apenas questão de tempo para que sua curiosidade o tenha vencido e o induzido a pesquisar pela referida no google. Do computador para o celular: um pulo. E lá estava ela, uma canção aleatória e desconhecida soando a cada despertar mal despertado. Era a mim que ela fazia levantar, o que me irritava profundamente. Você e sua mania de rolar na cama a procura de mais 5 minutos de sono e piedade. Estranhamente, quem se atrasava era eu, mesmo eu levantando antes. Você corria para o chuveiro, enquanto eu sempre preferia comer antes de tomar banho. Aí me danava, porque você sempre demorava tempo demais no chuveiro. A manhã te engolia. A prostração de cada dia. Demora para acordar, demora para tomar uma ducha. Um ser noturno. Diametralmente meu oposto. O coração da rua e da noite, obviamente não quis uma mulher ás claras, exposta a luz do dia. As suas mulheres precisam ser prateadas da luz da lua e não douradas da luz do sol. Tudo era sabido desde do princípio. Ninguém jamais pode ir contra aquilo que está previsto pelo momento da vida em que cada um está. A tentativa, mal sucedida, deixa apenas marcas de desencontro. De pessoas que precisavam encontrar antes a si mesmas em si mesmas. Antes, assumir as próprias vontades e expectativas. Encontrar-se. Plenificar-se. Tarefa para, nada menos, do que uma vida inteira. Em separado.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Quando a encontro, só me fica um pensamento: não tenho nenhum controle sobre ela. Uma mulher, completamente independente, que tem vontade própria e toma suas próprias decisões. Acho que a mãe a criou assim, solta. Tenho mesmo essa mania de dar conselhos, de falar da vida e do que eu acho que é certo, que é bom.Com ela, não faço diferente. Quando me dou conta, estou a ensinando coisas que, no fim, percebo que ela só escuta por educação. E me sinto meio idiota por suspeitar que nada daquilo faça sentido a ela, são palavras vãs. Eu bem sei. E a olho nos olhos profundamente como se buscasse desesperadamente por sua alma, mas nada vejo. Fico desconcertado, ela pouco fala. Talvez porque eu falo demais e ela não ache espaço. Uma completa desconhecida. Minha filha não acha espaço em mim, seu próprio pai. A agonia de não saber quem ela é, me faz falar ainda mais. Quero ocupar o tempo. Não transpareço a ansiedade que sinto (que ela pensa, afinal?). E a confusão de não saber lidar com isso. Alguém que não vi crescer, que não vi tornar-se e me chegou pronta, assim desse jeito. Velho, sem grandes conquistas, e de menores expectativas. Me apego a minha experiência de vida para termos assunto, e professo do mundo que é meu. É quando me desperto para o fato de que ela não está nele e eu só posso estar no dela em ausência. É sempre assim. É certo que seu rosto e fisionomia guardam espelhos dos meus rosto e fisionomia. É certo que seus olhos me agoniam e me confortam, porque vejo alguns rabiscos de mim mesmo. Reconhecer traços de semelhança, me conforta e eu me dou a falsa impressão de que sei com quem estou lidando. Meu sangue. O olhar é recíproco, os olhos guardam a mesma cor. Debaixo da cor que eu lhes dei de herança, o segredo: quem é essa mulher? A única coisa que seus olhos deixam escapar, da verdade que são, é que há motivos. E a vida corre, sempre. Não saberemos nessa vida talvez. Há mais mistério no mundo do que somos capazes de compreender e, se as coisas estão assim é porque assim chegaram a ser. Não há porque revolver em terra infértil. É como está. É preciso deixar. É como é. Talvez numa próxima aja jeito de ser diferente. Não sabemos como foi, sabemos que estamos assim. E que meu convite para um sorvete nunca será aceito, e que meu telefone nunca receberá uma chamada dela. E eu, nunca saberei a data do seu nascimento.


Como se, por acaso, dos restos da maçã comida que eu joguei pelo chão, houvesse brotado uma macieira.O desenho das folhas e a qualidade dos frutos foram definidos pela genética óbvia. Mas, a direção que cresceram os seus galhos, o seu tamanho, sua generosidade ou pobreza frutífera, sua vistosidade, sua espessura e envergadura são únicos. E eu nada vi surgir, e eu nada tive de influencia, mérito ou culpa. Uma árvore que eu nunca reguei, que vingou por ela mesma. Dei-te tão pouco, mas foi o suficiente. Derradeiro. Não precisou mais do que de meus restos para nascer e ser o que é. De nada mais precisou - ou precisa - de mim.