domingo, 11 de agosto de 2019

Carta aberta a quem possa vir a ser por mim no fim de minha vida

  Venho aqui, deixar uma lista de coisas que me são caras. Não sei a quem caberá minha guarda quando minha saúde mental e capacidade de discernimento, se forem. Sei tampouco se lá chegarei. Mas sei de coisas que gostaria, encarecidamente, que fizessem por mim. No caso de você, que me está lendo, encontrar-se comigo nesse estágio de minha existência, venha me ver  e me encontre em alguma situação onde me falte claramente, quaisquer uma dessas coisas, por favor, peço que interceda por mim. 
Acredito que a internet ainda esteja reinando lá na frente, a todo vapor e esta postagem acabe, eternizada e facilmente acessível. Peço a você, então, que mostre-a ao meu cuidador descuidado. 
Bem, vamos a ela.
  Peço, primeiramente e sobretudo, paciência: você também ficará velho, talvez já até esteja. Segundo: obrigada por tudo que tem feito a mim, espero que ter feito a você enquanto pude e se não o fiz, perdão. Perdão também por todo transtorno que possa estar causando, por aquele que já causei e pelo que está por vir. Fique certo de que não é de minha vontade tudo isso. Não. Antes morrêssemos quando não mais fossemos donos de nós mesmos.
   Peço- te que não me deixe sem banho, exceto nos dias de extremo frio, sou uma pessoa muito asseada e tenho pavor a estar suja. Também não me afeiçoa a ideia de conviver num ambiente de imundice. Não sou do tipo que ouve muita música, sou mais do silêncio ou do barulho da televisão. Obviamente que uma música faz bem. Opte por samba, porque samba me deixa alegre. Saber o que deixa alegre pode ser uma carta na manga, posto que eu possa chegar ao fim da vida meio ranzinza ou talvez, deprimida. 
Ponha-me no sol um pouco (não vá me esquecer lá torrando, heim). Quando me deixar lá, me deixe munida de bons óculos escuros, tenho olhos sensíveis.
   Faça-me fazer exercícios, eles me foram imprescindíveis a vida toda e também me fazem feliz (acrescente isso à lista do samba com título: felicidade). Caso minhas amigas estejam vivas, dê um jeito para que eu possa vê-las de quando em vez. Certamente isso fará toda diferença para mim, o que também pode ser favorável a você, posto que, tornará seu trabalho mais fácil. Sei que se eu estiver bem, darei menos trabalho. 
   Sempre, após o banho, me lembre de usar um hidratante e se caso eu não estiver em condições de passar eu mesma, por favor, use-o em mim. Cultivei esse hábito a vida inteira. A pele seca me incomoda profundamente. 
  Deixe à minha disposição, lápis de cor e papéis, e imagens bonitas. Faça-me escrever. Sobretudo, te peço: faça-me escrever. É onde minha alma se organiza. Se o corpo é digno de pena e a mente se tomou de confusão, deixa-me no conforto das palavras, porque o coração ainda pode ser que prescinda de alívio. E, quando eu me for, conte histórias sobre mim ou leia as que eu deixei por escrito.
  Grata.

2 comentários:

Unknown disse...

Voltei pra te ler após anos.
Seus textos continuam muito bons!
Não pare, pfv!

Anônimo disse...

Você é muito talentosa. É estranho imaginar que você possa pensar algo diferente para si, porque nunca duvidei da sua capacidade. E para muitas coisas, não apenas para o desenho ou para tatuar. Talento para a escrita, talento para a atividade física, talento para só existir com uma beleza indescritível. É uma pena que a vida tenha tantos espinhos ao ponto de nos convencer de que ela é só feita de dor, e que tantos talentos possam passar despercebidos para a própria dona. Se precisa que alguém os espelhe para que você tenha ao menos noção de quanto vale o seu reflexo, ei-lo aqui. Sei do muito que você já passou. E que, se nossa couraça engrossa e fica áspera, é antes pelos calos de muita pancada e sofrimento. Não por acaso dizemos "perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido". Afinal, não somos mais que crianças tentando acertar, aos trancos e barrancos, o nosso caminho. E nunca deixaremos de ser, só nos resta tentar. Em algum momento indefinido, você vai ler isso aqui e, se precisar de algo, basta falar.