domingo, 4 de outubro de 2015

Sobre como ganhei um par de asas

      E por fim, descobri o segredo. Parei com a terapia. Me dei alta. O sentido que busquei por tantos anos, enfim chegou e não preciso de mais nada. O segredo me basta, encontrei a peça que faltava na minha vida toda, a chave mestra para minha liberdade. Se antes acreditei que o amor que abria as janelas, e as portas. O quanto busquei por ele, para que pudesse sair de onde estava. Mas nada disso faz mais sentido, porque o que eu descobri me livra de portas, paredes, janelas. E tira de qualquer jaula. Eu que também experimentei ser aprisionada pelo amor por tantos anos e procurei tanto a forma correta de estar no amor, acreditando que o certo seria que ele me retirasse da jaula e não me condenasse a prisão. Eu que tanto sofri, que desmembrei meu amor em tantas partes e lugares, que dispersei amor em tantos cantos, e o dilui em tantas minúcias da vida que vezes o perdi - em mim e pelo mundo, e pelas coisas - e por anos me questionei frente a ele. E questionei quem mandava em quem, e questionei nossos lugares - o meu nele; o dele em mim -  e questionei nossos papéis. Eu que desencantei e tornei a encantar, que girei em círculos, que andei para trás, que fui em linhas tortas. Andei cega em ensaios e erros, acertos e tentativas.
      Eu que tardei, mas quebrei a cara (outra vez). E desfiz o caminho mais uma vez e mergulhei novamente na incerteza. Eu, que depois de tantos conflitos, achava estar chegando num ponto de maior certeza, vi a certeza escorrer todinha pelas minhas mãos, pelo meu rosto, pelas minhas pernas, por todo o chão. E sofri tudo novamente, igualzinho antes, como se fosse a primeira vez, como se a experiência de outrora de nada valesse, como se voltasse a ser criança: inocente, errante, incerta, assustada. E tudo que vinha construindo por anos foi posta a prova e sucumbiu.
       Pois só agora que tudo ficou claro. Era tão óbvio, e estava tão na cara quanto os próprios olhos. E ninguém vê os próprios olhos senão se encarar no espelho. E eis que a solução estava desde sempre em mim mesma. O poeta já sabia e já havia me dito por tantas vezes, amor é verbo intransitivo.
      O intransitivo que se basta. Que dispensa a tudo, que é tão radicalmente intransitivo que dispensa até mesmo o outro (o amado). A chave do amor é amar, ponto final. E o grande jeito de amar é esse. É bastar-se do seu amor. Seja lá quem for o sujeitado. O amor é estado de espírito que é seu e deve bastar-se de todas as alegrias que ele trás. Não há que se bastar no outro, ou que se completar na concretude da união. O amor é um fim em si mesmo. Inexplicável e infundado. Deve ser vivido com alegria em toda sua plenitude. Independe de correspondência, independe da realização. Independe. Depende apenas dele mesmo, auto se nutre, auto se sustenta, auto se satisfaz. Porque é amor, só quer amar, não quer nada mais. Os outros quereres são fonte dos outros sentimentos agregados (que podem ser tantos). O amor, puro e desnudo, é apenas ele mesmo. Nada quer e nada pede. Apenas irradia.


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Foi em meio ao cansaço que um dia,subi até a laje. É clichê. E quando não sou? Não me culpo por tanta obviedade, é uma obviedade sincera, autêntica. Por mais que todo mundo aja dessa mesma forma que eu, e os filme reproduzam tais comportamentos, e também as novelas mais mal escritas a representem e até as músicas de letras mais pobres expressem... faço parte dessa obviedade de forma genuína. Não forço a barra, apenas sou clichê e igual a todo mundo. Compartilho do mesmo modo de sofrer de amor que a maioria. Tendo a me envolver em relações das mais desprezíveis e a penar como um cão abandonado, sem teto e sem rumo. Hoje não dei de cachorro, mas de gato no telhado. Fazia frio e ventava bastante, subi na laje e sentei no murinho de casaco de lã, pantufa, meias e calça de moletom. Queria esvaziar a cabeça. Pedi em silêncio que não aparecesse nenhum vizinho para incomodar e que não dessem falta de mim dentro de casa, ao menos por uns minutos. O meu clichê é prejudicado pelos meus bons hábitos que não me deixam cair na tentação de uma cerveja durante a semana. Também não sou fumante, tentei mas não me apeguei e não sou de forçar. A cena seria completa com um cigarro e uma cerveja. Fico tentando apenas observar a vizinhança, sem pensar em muita coisa.
Desiludida, magoada. Um coração partido. Uma dor que estrangula a garganta e emudece. A amargura dos erros cometidos e dos erros que cometeram comigo me estouraram aftas na boca. A angústia de não ver solução sentida na altura do estômago. O aperto de ter acreditado em mentiras, o arrependimento de ter ido tão longe. E o bem-querer que insiste em envolver tudo isso. As beleza de lembranças puras e da inocência de um amor improvável. A sensação de ser a pessoa mais idiota do mundo e de parecer ter novamente 16 anos de idade. A saudade de amigos que estão longe, a falta de um colo quente, do aconchego de um abraço. E nesse momento, engulo o choro ao perceber a inutilidade de subir até a laje.
Faço a prece dos amantes, peço perdão a Deus por ter negado os sinais e ter ido adiante mesmo que fosse tão nítido o trágico fim da história. Prometo não cometer o mesmo erro. A jura mais batida de todas. Peço em sussurros que passe logo e que o aperto do meu peito se desfaça. Peço para esquecer depressa e que consiga manter o controle diante da situação, sem sucumbir a vontade de recaída. Amém.
Passei a subir até a laje todas as noite e a repetir a prece. Como se do alto, ela pudesse chega aos ouvidos celestes sem demora. Uma amálgama de fé-esperança a quem os amantes se agarram como último reduto, como último recurso e salvação para a ferida aberta de um amor fracassado.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Ela não vai se despedir de você quando for, ela simplesmente vai. Quando achar que é chegada a hora, ela irá te deixar. Em você, ficará o sentimento de que deveria ter cantado para ela toda toda noite, para que ela dormisse embalada na sua voz ao invés de se embalar nas próprias lágrimas. Ela não te contou que chorava, queria alguém que dispensasse tal confissão, para que não precisasse mostrar a fraqueza. Presentear com a caixinha de música não foi suficiente para dar-lhe sono tranquilo, canção tão impessoal. É certo que você não sabia que ela sofria e ninguém pode culpá-lo. Mas, convenhamos, que ser humano é imune a isso? Não é que você a tenha negligenciado cuidados, não. Faltou empatia diante do óbvio. Sensibilidade para saber o que todo mundo sabe. Nenhuma caixinha de música tem o calor de um colo ou a doçura da voz de quem se tem carinho. Todo mundo esconde lágrimas. Todo mundo tem dores no peito. Fraquezas de ser carne e osso.
 Quando ela for, talvez você perceba - um pouco tarde - e tente se redimir, remendar a colcha. Se, por sorte, ela for de remendos, talvez aja esperança. Se ela for desiludida, jamais acreditará na sua mudança, e vai rir dos seus farrapos, toda vez que você os oferecer. Nisso tudo, só uma coisa é certa: ela vai te deixar.
   Quantos anos se passaram sem que eu visse seu rosto? Perdi-me na conta, não sei dizer. O espanto em te ver foi todo por isso. Não me lembrava mais de você. Como se você tivesse deixado de existir, simplesmente. Sua fisionomia fez meu cérebro fazer uma viagem por ele mesmo, atravessando memórias e mais memórias, lembranças intermináveis, em questão de segundos, todas invadindo minha consciência de uma só vez. Arregalei os olhos, tonta. Você passou por mim, com o velho olhar perdido, inchado, solitário. A dor latente de sempre. A persistência na dor latente de sempre. E nem me viu. Passou por mim tão dentro de si mesma, que nem me viu. Não participou do nosso encontro.
    Das mais inteligentes da sala, dona das maiores notas e expectativas de sucesso. Do grupinho das meninas mais populares, das que mais chamavam atenção. Dona de uma postura ímpar, reservada. Tão dona de si ao falar, ao se impor. Frágil, porém muito frágil. Nunca soube lidar com o amor. Eterna atormentada pelas frustrações amorosas, sempre vivendo no passado, na amargura dos amores que ficaram pelo caminho. Parece que nesse caminho andou sozinha, sem que ninguém lhe alcançasse a mão para ajudá-la a atravessar. Nessa perdeu-se. E ainda parece estar perdida nesse labirinto das paixões sem tamanho, dos beijos negados, dos braços que não abraçam, da falta de reciprocidade.
    Quanto tempo, menina. Eu que achava que você não existia mais. Desejaria a você um "bom dia", se tivesse conseguido me ver, na tentativa de mudar seu humor ou apenas distraí-la brevemente. Diria: "seja bem-vinda de volta" a minha vida, ao meu convívio... vamos conversar, marcar uma cerveja talvez. Fale-me mais dessa amargura, ou não... fale-me do que preferir. Pegue na minha mão, use-a. Não tenho medo do caminho. Vou com você. Talvez seja ingenuidade minha, talvez possa não ser. Talvez tenha fim, esse caminho. Talvez tenham flores e você, por distração, as tenha visto tanto quanto viu a mim.

domingo, 12 de julho de 2015

   Perdi uma vista, fiquei cega de um olho. Não da noite para o dia. Fui tomada por uma cegueira sorrateira e silenciosa que consumiu minha vista esquerda sem que eu percebesse. Nenhum sintoma grave me ocorreu durante o processo. Apenas uma massa branca tomou conta da superfície do meu globo ocular. Nuvens nos olhos, como algodão doce. Sem lógica, sem relação direta de causa e efeito. Nenhum medico soube dizer com clareza o o que se passou comigo, nenhum colírio solucionou ou reverteu o quadro. Procurei em mim o sentido, porque não sou mulher de deixar pontas soltas.
     Nuvens escondem o céu de ser visto, resguardam o céu da exposição, da nudez. As nuvens são roupas do céu. Também protegem quem está embaixo, dão sombra, opacam a luz do sol. Também dão chuva. Verdade, dão chuva. Talvez por isso eu tenha chorado mais, agora que tenho uma nuvem no olho esquerdo. Comigo a tão pouco tempo, mas já tão minha. Apeguei-me a ela. Talvez lhe invente um nome, talvez a deixe ser sem nomear.
      Nuvem dos meus olhos, essa parede. Parede que agora é sem janela, se os olhos são a janela da alma. Ah, e  agora ninguém pode mais ver a minha alma, salvo se encararem a vista direita, mas acredito que ela não teime a se render as nuvens. De um lado estou guardada de ser vista, de ser posta a visibilidade, então posso ser o que eu quiser e ninguém verá. Nenhum julgamento, nenhum pitaco, nenhuma mostra sequer. Ninguém vai saber quem sou ou o que fiz, o que tenho feito. Como tenho passado, transcorridos meus dias, uma vida velada. Ninguém conhecerá minha verdade. E confirmo novamente que a medicina de nada sabe mesmo.

sábado, 16 de maio de 2015

Diante de mim um homem impuro. É todo tomado pelo agora, um homem de pouco passado e nenhum futuro. Dominado pelo instante, que quer apenas saciar vontades e desejos meramente carnais. Desses seus desejos, conheço alguns de perto, outros ouvi dizer. Não me revela nada mais do que isso. A expectativa depositada em mim termina num simples gozo e nunca irá além dele. Nenhuma promessa. Arrisco a ver algum afeto. E talvez o termo "afeto" seja demasiado, mais certo seria dizer "posse": a sede de possuir-me como objeto. Eu, objeto claramente impossível de ser pertencido em exclusividade.
Diante dela um homem casto, fiel e disponível. Um homem disposto a ser companhia na passagem do tempo, na contagem dos anos e das rugas. Alguém que quer ter filhos e pinta as paredes da casa. Alguém para estar junto aos domingos e feriados. Para levar nas festas da família e apresentar aos pais.
Duas faces incomunicáveis de um mesmo homem. Nunca terei a parte dela e vice versa.
E como explicar nela a natureza de esposa e em mim a natureza de amante? Quem nos atribuiu tudo isso? Que olhos nos transformam nisto ou naquilo? O que importa é a satisfação de cada uma das personagens. Um verso de três estrofes, chapéu de três pontas, trevo comum, tríade amorosa. E sabe-se o quão firme é um tripé. Uma força perigosa. Posições difíceis de serem quebradas ou revertidas. União estável.

sábado, 7 de março de 2015

A solidão de ser só dois

Um hiato a cada relacionar-se. Em cada relação, um espaço impreenchivel entre duas pessoas. Um vazio, silencioso: a solidão lacunar. Como estar plenamente satisfeito em uma relação? Quem seria o herói capaz do superpoder de desdobra-se em tantos papéis e maneiras a ponto de dar a um outro a saciedade plena, a satisfação completa? Onde um não está, outro entra. E o que um não ponde dar, outro daria. O insustentável para um, não há de ser problema para algum outro. Como querer que apenas um te supra e te baste? Se por acaso, nem você o é capaz. Se por acaso, nem você é capaz de tal proeza na vida de alguem. Que injustiça cobrar assim das pessoas, cobrar o inatingível, cobrar o que ninguém pode dar ou ser. E, por isso, a infelicidade é certa. Porque a busca pelo preenchimento é a busca por um outro que preencha (plenamente). Uma busca incansável. E, assim, haverão dois caminhos: o relacionar-se compulsivo, dos frustrados esperançosos que nunca desistem da busca e que acreditam poder esgotar as suas demandas  e carências na relação com uma única figura, e aqueles que se frustram e cansam de buscar tal diamante cor-de-rosa, contentando-se com algo menor por desiludir-se na procura mal sucedida. De qualquer forma, a grama do vizinho sempre parecerá mais verde. Seja porque ela lhe parece interessante e torna-se, então, nova possibilidade de finalmente encontrar a saciedade, seja porque lhe pareça que há algo ali que você não tem, não conseguiu ter e cansou de tentar conseguir. Relações doentias, imaturas e infelizes. Umas acabam, outras são empurradas a longo de anos mesmo tendo acabado à muito tempo, mas, todas condenadas ao fracasso. Umas tem um fracasso bem sucedido, e a convivência é menos penosa e tediosa. E essas se tornam o melhor que se pode fazer e alcançar. A monotonia de uma amizade, a segurança de um amor que resistiu a todos hiatos, a vida construída a dois, uma vida estruturada num outro, cujo pilar está longe de ser você mesmo e seus sonhos. O ideal da maioria. A mediocridade maquiada, em dia de festa.