segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Tananã

Anelise fez tudo como de costume. O relógio despertou as 6:30 e ela ficou na cama até as sete. Então, levantou-se, foi ao banheiro, olhou a cara e urinou. Voltou no quarto pegou o celular. Ligou o celular e o colocou na mesa da cozinha. Se pôs a lavar a louça do jantar. Começou pelo copo. "Tananã", uma mensagem. E ensaboava o copo. "Tananã", duas mensagens. Começou a enxaguar o copo. "Tananã", três mensagens. Ainda enxaguando o copo. "Tananã", quarta mensagem. Examinando o copo lavado percebeu uma sujeira e passou a esponja em cima. "Tananã", quinta mensagem. Enxaguando novamente o copo. "Tananã", sexta mensagem. Examinando a provável permanência da sujeira. "Tananã", sétima mesagem. Constantando o copo limpo. "Ah o copo limpo!" e ela o olhava com ar de satisfeita. Mas então muda de expressão se assusta: "pera aí: sete mensagens? SETE MENSAGENS? Oh meu Deus, oh meu Deus!". Num salto pega o celular e confere: sete mensagens. Anelise deixa o copo cair. Enquanto os pedaços do vidro ainda correm para debaixo da geladeira e do fogão, ela já está no quarto aflita e se vestindo depressa. "Rogério, Rogério".
Anelise conhecia Rogério a doze anos, a oito tinham rompido o namoro e a cinco Rogério tinha adquirido toc (transtorno obscessivo compulsivo). Desses cinco a tres eles tinham se tornado bons amigos e a dois Rogério mandava oito mensagens diária, pela manha para Anelise. Rogério considerava "oito" seu número de sorte: o dia em que nasceu sua mãe e ele também, o mês que conseguira ir morar sozinho,  a idade em que tinha sido mais feliz porque tinha ganhado um livro que tinha mudado sua vida. O título desse livro Rogério não contava a ninguém, porque não queria que ninguém mais no mundo soubesse o que ele sabia. Ele sabia que muitas outras pessoas haviam lido esse livro além dele, mas ninguém tinha percebido o enigma que havia na oitava linha da oitava página. Caso mais alguém no mundo tivesse percebido, ele saberia. Uma permutação simples da primeira letra de cada uma das dezesseis (duas vezes oito) palavras dessa linha, ia formando um código secreto que havia mudado o que ele entendia por "mundo" para sempre.
 Tudo era oito: o número de dias que se hospedava num lugar quando viajava, o número de vezes que tocava uma campainha, o número de vezes que piscava os olhos antes de dormir, a quantidade de torradas que comia no café da manhã e de mensagens que mandava para Anelise todos os dias. Todas as mensagens era iguais: bom dia! Rogério achava que Anelise precisava de oito mensagens para ser feliz e que Deus o tinha incubido da felicidade dela. Eles haviam se conhecido numa sala de espera por atendimento psicológico. Os psiquiatras diziam que Anelise tinha depressão maior, quadro de ansiedade, dentre outros blábláblás e que Rogério tinha o tal transtorno. Há dois anos que Rogério tinha sacado que Anelise precisava de seus oito bom dias para não cair em depressão novamente, tarefa que ele cumpria com gosto e disciplina. Nunca nesses dois anos ele tinha falhado ou se esquecido. As oito mensagens chegavam fizesse chuva, frio, sol; ele estando doente ou são, havendo catástrofe ou o que fosse.
Anelise o achava maluquinho, mas tinha um enorme carinho por ele e respeitava sua teoria, aliás, não tinha mal nenhum, se isso era importante para ele, para ela não havia problema. Achava bonitinho que ele se importasse com ela. Na verdade Rogério se importava antes com ele e mandava mais as mensagens por medo de ser punido pelo Deus, ou pelo fato de que não cumprindo sua tarefa, se sentisse culpado pela recaída que Anelise teria obrigatóriamente perante a doença. Mas o fato é que naquele dia, só haviam chegado sete mensagens. Sete. Algo estava errado.
Mil coisas passavam na cabeça de anelise enquanto ela se vestia apressadamente. Rogério morava sozinho numa rua perigosa do centro da cidade. Anelise já havia o alertado várias vezes sobre assaltantes e sempre o pedia para tomar cuidado, já que se mudar era inviável. Já havia um tempo que Rogério vinha percebendo que um certo homem o vigiava, sempre falava dele para Anelise. O fato é que ela nunca acreditou muito nele, achava que era mais uma fantasia da cabeça dele. Claro que quando ele contava, ela fingia dar maior atenção e demonstrava uma preocupação enorme, sempre dizendo a ele que o melhor era se mudar logo. "Você sabe que não posso Ane, preciso esperar completar oito anos de moradia para que possa me mudar.". Anelise achava graça e ria escondido pelo telefone. Sabia que a amizade dos dois só existia pela confiança que um tinha no outro e pelo fato de que se compreendiam e se respeitavam.
 Agora, Anelise se sentia culpada por não ter levado Rogério tão a sério e as lágrimas rolavam de seus olhos. Não escovou os dentes, não penteou o cabelo, pôs uma meia furada e o casaco do avesso. Foi atrás do homicida. Pegou um taxi até o prédio de Rogério, pediu que o taxista esperasse, teve medo de que precisasse sair correndo do assassino. Só aí que ela pensou que o assassino ainda poderia estar no apartamento. Perguntou por Rogério ao porteiro, mas ele disse que estava entrando agora no turno e que o outro porteiro tinha acabado de sair e que não sabia nada do Seu Rogério não senhora. Anelise respirou fundo. Preferiu ir de escadas para fazer menos barulho. Já tinha ido longe demais, por mais que estivesse com medo, não podia deixar seu amigo sozinho. Talvez ele ainda estivesse vivo, e esperatemente mandou apenas sete mensagens para que Anelise percebesse e viesse socorre-lo. Anelise suava frio, já se arrependia de não ter pego elevador: Rogério morava no oitavo andar, claro. Por um lado foi bom porque estava tendo tempo de pensar. Estava começando a medrar e chorava de nervoso. A tensão estava tomando conta dela, snetia seu corpo tremer e o suor descer gelado. O estômago doía, a boa ficou seca, a respiração mais e mais ofegante a cada lance de escada.
Estava com frio, pensava em Rogério, somente em Rogério. No dia em que haviam se visto pela primeira vez, de como ele a sempre fez rir, dos anos que passaram juntos, de quando conheceu a mãe dele e como ele era feliz ouvindo as oito badaladas que a igreja perto da casa de sua mãe dava as oito horas em ponto. Lembrou-se de tudo e também dos momentos ruins, e começou a se sentir mal por rir de Rogério escondido. E chorou, teve que parar no oitavo andar para chorar. A cabeça confusa, não sabia que fazer. Ficou um bom tempo ali no sexto andar. Parou de chorar, ficou um bom tempo contemplando o nada e se preparando para o pior. Tomou força e subiu os dois andares finais. Já no oitavo andar foi andando até ver reluzir na luz do dia o número "808"  na porta. Que faria? Que faria? Foi quando ouviu o elevador, ela estava de frente para elea alguns poucos metros de distância, viu quando ele parou no andar que ela estava. Estava atônita, sem palavras, sem reação. A porta do elevador se abriu e surge Rogério suado com uma sacolinha na mão. "Minha amiga, que faz aqui!? Anelise que houve? Está pálida, está chorando." Ele ia andando apressado até ela que o olhava como qem via um fantasma. Ele a segurou forte pelo braço e olhou dentro dos olhos e antes que perguntasse o que havia ela disse quase sussurando: "sete mensagens". Ele estatelou os olhos, ficou nervoso. "Eu sei, eu sei, me perdoe. Ai meu Deus... meus créditos! Meus créditos acabaram, demorei até consegui achar um cartão da Oi, não tinha na banca aqui da calçada, nem na padaria aqui da frente, tive que andar um bocado, não sei que houve nessa cidade, só fui achar muito lá embaixo perto do bar do Jorge... mas eu mandei a mensagem! Assim que consegui o cartão, você não recebeu?".

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A minha gana é alta. Eu quero o impensável do pensamento. Eis o meu constante exercício.

sábado, 7 de agosto de 2010

Andrade Neves

Hoje me aconteceu algo que me fez querer contar. Como não sabia para quem, decido não contar para ninguém. Estava vindo da análise (da minha análise), pela rua que passo pelo menos duas vezes por dia. Já morei nessa rua por uns oito meses e há quase dois anos moro numa rua que a cruza. Gosto muito dessa rua e nem sei porquê, ela é não tem nada demais, talvez por não ser muito movimentada e já ser familiar, já fazer parte do meu cotidiano. Além de tudo eu a acho bonita, talvez pela simplicidade. Muita gente diz que é perigosa, mas nunca tinha me acontecido nada nela até hoje. Fui assaltada. Mas o assaltante não levou nada. Pode parecer cômico. Um moleque que devia ser mais novo que eu me encurralou na calçada: de um lado ele de bicicleta e do outro um caminhão, que não me deixava sair da calçada para a rua. "Perdeu, perdeu". Eu como sempre, estava distraída e quando vi aquele menino se aproximando de bicicleta, vindo na minha direção (na verdade, me atropelando), achei que ele ia falar alguma gracinha e passar. Que nada. "Perdeu, perdeu" . Eu tentei dar a volta pela frente do caminhão, mas ele segurou minha mão. "E se tentar correr, vai tomar", nessa hora já tinha soltado minha mão e colocou a mão na cintura como que me dizendo que tinha uma arma na bermuda. Taí, pensei, mentira. Primeiro blefe. "Me passa o cordão". Eu franzi a testa e sacudindo a cabeça disse com má vontade, como que está de saco cheio, aborrecida, entediada:


- Isso aqui nem é ouro, isso aqui é bijuteria meu filho.

-Né de ouro não?

- Isso aqui é ouro?

Falei tirando sarro mesmo, tipo "fala sério!". Segundo blefe: o cordão não era de ouro, mas um dos três pingentes era, uma figa que ganhei da minha mãe quando nasci.

- Hum... passa o telefone então...

- Queee telefone, que telefone, to saindo academia.

Terceiro blefe: tinham quatro celulares na minha mochila, um estragado, um com visor queimado e dois funcionando perfeitamente bem. Não estava com roupa de academia, tinha ido cedo para a academia, tomado banho lá, ido para minha análise e por fim, estava indo para casa.

- Tá, então vai... mas ohhh, se não viu nada...

Eu sai atordoada, não sabia se ria, ri. Saí pensando: "vê lá se eu ia perder minha figuinha assim...". Como tudo aquilo tinha sido inesperado, como se eu não estivesse afim de ser assaltada: "Ah não, hoje não!". Fiquei espantada comigo mesma. Muito espantada. Eu, não só negociei, como tirei uma com a cara do cara. Jesus! Me lembrei de uma vez que reagi assim. Ainda morava em Barra do Piraí, estava no terceiro ano do ensino médio e ia a pé e volatva apé para a escola. Minha pagava a passagem de volta, mas eu preferia economizar. O fato é que eu sempre encontrava com um cara bêbado de manha indo na minha direção contrária e que sempre me cantava. "Você é o amor da minha vida". Achava que era com todo mundo, até que um dia percebi que era pessoal: "eu te vejo passar todo dia, você é linda". Opa! O bêbado marca minha cara sim!

Minha casa é numa subida e antes da subida, na calçada da rua tem um orelhão. Nessa época a conta de telefone lá de casa andou vindo alta e eu tinha comprado um cartão de telefone para ligar desse orelhão que é pertinho. Estava eu no orelhão, tentando ligar quando sinto uma mão no meu ombro, sorri achando que era algum conhecido. Quando olhei para o lado era o bebum.

-Você é o amor da minha vida, casa comigo

-Sai daqui, sai, sai, sai fora, mete o pé... anda, mete o pé... vaza, vaza!

O bebâdo que estava bêbado tentou argumentar, falou algumas coisas e tinha um cara com ele que me fez o favor de convevê-lo a ir embora. Puta-que-pariu! É: PUTA-QUE-PARIU.

Foi a mesma sensação, fui para casa suando, morrendo de medo e assustada comigo mesma. Que isso! Expulsei o cara, eu tô maluca. Gente e se tivesse acontecido isso,k aquilo, aquilo outro...

Hoje também fiquei pensando nos milhões de coisas que poderia ter me acontecido. Cheguei em casa suando, pensei em ligar para casa e contar a minha vó. Ela ia reagir bem e depois meu tio ia encher a cabeça dela e ela me ligaria preocupada dizendo para eu não fazer mais isso, que é muito perigoso e que dessa vez eu tinha dado sorte e não se deve reagir a assaltos e blá, blá, blá. Não liguei, nem vou.

Fiquei pensando nisso o dia todo e já ri várias vezes. Só que estou com medo. Medo. Também tive medo do bêbado me encontrar de novo depois do dia do orelhão. Me encontrou e nada aconteceu.

Tive um certo desejo de encontrar o moleque de novo, ele passou por mim mais a frente no caminho, contornou de bicicleta e entrou numa outra rua. Nessa hora estava de cabeça baixa com um leve sorriso e quando o vi, engoli o sorriso com medo de que ele desconfiasse que estava blefando. Tinha que voltar a UFF a tarde e fui por fora, não passei pela rua do assalto, fiquei com medo de encontrar o tal. Mas fiquei com vontade de conhecer aquela pessoa, de ouvir sua história ou o que ele tem para dizer. Acho que é culpa da psicologia. É, eu tive vontade de atendê-lo e estou com medo de fazer o convite se o encontrar de novo. Não dá para saber como vou reagir. Fiquei imaginando como seria, atender no spa um "assaltante", vulgo "pivete".

Sei que apesar do medo acho um desaforo não passar pela rua que tanto gosto por causa desse tipo de coisa. É como se ele estivesse roubando a rua de mim, rua que eu acho que é mais minha do que dele. Sei também que a televisão não tem feito bem a esse moleque, parece que aprendeu assaltar assim. Cheio de clichês, de frases prontas, parecia tudo uma novela ou um filme de quinta.