sábado, 16 de julho de 2011

Agora, outra

O momento era de preenchimento. Era tudo que Lara conseguiria dizer. Havia passado por tempos difíceis de perda, de desidentificação, de apagamento. Tempo de abandono e de terra vazia. Sem casa e sem lugar. Agora o movimento era de juntar os pedaços, resignificar. Alguma coisa breve parecia estar se formando. De algum lugar não muito claro, vinha um possível conforto. No meio da poeira, um sopro dava esperança aos pulmões doentes. Deixar-se a brisa da novidade era, porém, dar fim a tudo que antes a havia preenchido um dia. Era finalmente sair do luto, era por roupas novas. Apesar das velhas lhe caírem tão bem, isso era porque elas já tinham o formato do corpo, já tinham nelas coladas a anatomia magra e seca de quem de tanta fome, comia os próprios pedaços. De quem satisfaz-se com a própria dor, com o próprio desmantelamento. E abandonar sempre é árduo, mesmo que seja o abandono da doença. Porque os modos doentios também são nossos, também somos nós e perdê-los, deixá-los, significa abrir mão de parte do que somos. Ou era continuar no canibalismo ou amputar uma perna. Por muito tempo a possibilidade de perder um membro ficou velada, mas agora a moça já tinha condições de abandonar sua chaga. Não é questão de curar a ferida. Tem coisas na vida que não tem opção, não. O movimento não é de cura nem de resolução. É de superação, de abandono, perdão, e de seguir em frente sendo outra coisa.