sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A começar por ele

   Eu vou te explicar e você vai me entender. A mim, é muito mais cara, nossa amizade. É onde me sinto especial: nas horas que você gasta perdendo tempo comigo. Veja, que aí me sinto diferenciada, destacada, singular. Quando sei que em meio a tudo e todos, você recorre a mim. Veja: sou escolhida. Eleita por ti -mesmo que por mérito de meu empenho e dedicação - aquela que você confia. Talvez eu esteja superestimando meu cargo. Mas deixa, vai. Eu preciso ter reconhecida importância. Não aceito não ter. Independente de onde seja, só quero que seja. E assim, posso seguir satisfeita; consigo abrir mão do resto, de todo resto que já quiz, de todo lugar que já almejei ter em você. Em troca de ter um lugar que é só meu (em ti). Nele eu vejo verdade, e vejo presença, te sinto presente. Nele, nós estamos. Estamos porque queremos, quando queremos. Abre-se um portal, a gente entra, só nós dois. É nosso esconderijo, nosso lugar secreto, de intimidade. Ninguém o sabe. É segredo nosso. Fica entre a gente.

  Eu que não te quero superficialmente e nunca quiz. Orgulha-me ter esse lugar nosso. Tenho a certeza de cada peça fundamental que eu pus para estruturá-lo e hoje ei-lo. Quando te escuto, leio que encontro verdade, verdade que se ausenta em seu beijo, em seu sexo. Sem intenções, sem performar - ou pelo menos, numa escala extraordinariamente menor. Por vezes criava uma narrativa e contexto que, em tocando meu corpo, teatralizava tocar minha alma, numa encenação amorosa-forçada desnecessária. Apenas por achar que eu cairia, que fosse o que eu gostasse de estar vivendo ali. Intencionava o inesquecível, quando na realidade, nada o é. Quando na realidade, eu estava ciente de toda engenhosidade por trás de cada gesto ou frase. Do teatro, só me envergonho por você. Gostaria de dizer "dispense". São tantas as ladainhas que conta sem roupa que de fato só te vejo nu quando está vestido. Falando de si próprio: é aqui que encontro sua nudez. Eu que te quero nu. Liso. No pelo. Na alma. E por isso, abri mão de insistir te querer onde você não se revela. Parei de endereçar a você lugares que você não pretendia estar, tampouco chegavam a te interessar.

   Eu quero de você o que ninguém mais conhece, ou tem. Longe de eu ter um papel de suma importância, destaque; sei-me completamente descartável: em segundo, terceiro ou quarto plano. O que não quer dizer-me inútil, ao contrário, sinto-me insubstituível, ímpar, indelegável. É de onde advém o sentir-me especial.

    Saber meu lugar, nem sempre é fácil, mas sei o quão necessário é. Se a princípio nele me pus por bom seno, e por vezes cai em contraditório por não o aceitar, hoje o tenho mais claro, calmo, condizente e confortável. E meu. Se ontem eu lutava por querer mais, hoje reluto quando você quer ultrapassar suas fronteiras e misturar as peças que eu tanto trabalhei para que se encaixassem harmonicamente. Gosto da harmonia. Gosto muito da harmonia. Gosto muito de poder ter harmonia aqui e saber que não precisei te abandonar. O que estamos fazendo com nós dois é o melhor que podemos fazer com nós dois. Não há um "mais" possível, não há um "melhor" possível. É bom saber estar no topo. Eu gosto, só gosto. E não (te) espero mais.

    

Um comentário:

Anônimo disse...

“(…) de fato só te vejo nu quando está vestido”. O texto todo é lindo, e sofrido, mas essa parte específica me pegou de jeito. Você tem uma rara habilidade com a escrita. É óbvio que você sabe que escreve bem, mas sinto que mesmo assim você não faz ideia do quanto você escreve bem. Ao mesmo tempo, torço para que a dor dos seus textos seja apenas reflexo de uma habilidade extraordinária com as palavras, capaz de emular sentimentos ainda que não os possua. Mas temo que não seja o caso, ou ao menos não é o que parece - difícil acreditar que alguém escreva assim sem de fato o sentir. Mas de onde vem tanta dor? Você tem um talento tal que é inadmissível que não esteja nesse exato momento dando autógrafos e vendendo livros aos montes. Por que não está? Porra, o que estou querendo dizer nesse texto prolixo é só que eu quero te ajudar, sem qualquer coisa em troca, quero te ajudar só porque você merece. Pode ser anonimamente, nem precisa saber quem sou. Há muitas coisas que eu poderia fazer por você - já pensei nisso mil vezes. Mas nenhuma das opções parece ser verdadeiramente capaz de chegar até você. Queria fazer um texto tão bonito quanto os seus, parecer alguém reflexivo e profundo. Talvez eu até seja (ou não), mas vou abrir mão de tentar, porque não passaria de vaidade e vontade de impressionar. E, sinceramente, não quero te impressionar o mínimo, quero apenas te ver feliz. Para provar isso, vou falar aqui a coisa mais brega - embora verdadeira - possível (porque geralmente a realidade tende a ser poeticamente decepcionante, embora continue real). Eu te amo, mas não de forma carnal - como você deve estar acostumada - mas como extensão de um outro amor do qual já havia ouvido falar, mas não experimentado de verdade até recentemente: o amor de Deus. Não estou falando de religião. Estou falando de Deus. Feche os olhos e fale com ele baixinho. Ninguém precisa saber. Pede. De verdade. Como nunca pediu antes. Mesmo que não acredite, abra mão do orgulho, da vaidade e da crítica em nome daqueles que você ama: afinal, sei quem você mais ama lhe vale mais que qualquer convicção ou dúvida. Leia Mateus 7.7-11 e o faça com o único compromisso de fazer como nunca fez antes. E verá que, não apenas Deus agirá dali em diante, como perceberá que Ele já estava agindo antes. Perceberá os sinais que talvez tenham passado incólumes, e verá que até mesmo essa mensagem minha já é Deus respondendo ao pedido que você ainda vai fazer. Amo seus textos, mas, se são fruto do seu sofrimento, deles abro mão feliz, porque por mais lindo que seja o que você escreve, mais lindo ainda será o seu sorriso de felicidade e daqueles ao seu redor. Fique com Deus.