quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Amor

  Do outro lado da rua avistei um menino tímido, encolhido. Sentado no banquinho de frente para a ponte. Um cadarço desamarrado e uma blusa infantil. Tinha pressa não, descansava. Em uma das mãos apertava uma pedrinha qualquer. Riscava o banco com ela de vez em vez. Era um dia sem sol e sem chuva. Inquietou-me o fato de um menino de tão pouca idade estar ali, sozinho. Bem vestido e penteado. Tinha família, por certo. E casa também. Balbuciava em silêncio algumas palavras. Pela distância não conseguia ler seus lábios, mas o que dava a entender é que cantava. As crianças cantam histórias, inventam fantasias. Passam o tempo diferente de nós, adultos. Lembro-me de criar um monte de casos. Tudo virava gente na minha mão: pedras, folhas, bonecas. Minhas histórias sempre giravam em torno de seres humanos, sentimentos humanos, intrigas familiares, romances de contos de fadas (maldita seja a Disney). Algo de lúdico sim, mas no geral, tudo bem real (sempre fui uma criança de pés no chão, foi adulta que aprendi a voar). O meu amor pelas pessoas sempre foi notável. A psicologia foi a obviedade. O erro óbvio. Nunca se deve transformar uma paixão em trabalho. Bem se larga o trabalho ou bem se deixa de estar apaixonado. Como não pudia deixar de amar aos seres humanos, o fim é fácil  de concluir. Nunca exerci a profissão de psicóloga, não oficialmente. No dia-a-dia não preciso de registro para fazer uso dela, ou para que ela me use. É o que acontece com as coisas que amamos, nunca é possível abandonar ou ser abandonado integralmente, elas sempre nos puxam pelo pé pra perto delas, e percebemos sua presença nas mais inocentes minúcias para esfregar em nossa cara o incontestável: é amor. Irreversível e impregnante, inesquecível, permanente, sereno, eterno.

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