quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Quando a encontro, só me fica um pensamento: não tenho nenhum controle sobre ela. Uma mulher, completamente independente, que tem vontade própria e toma suas próprias decisões. Acho que a mãe a criou assim, solta. Tenho mesmo essa mania de dar conselhos, de falar da vida e do que eu acho que é certo, que é bom.Com ela, não faço diferente. Quando me dou conta, estou a ensinando coisas que, no fim, percebo que ela só escuta por educação. E me sinto meio idiota por suspeitar que nada daquilo faça sentido a ela, são palavras vãs. Eu bem sei. E a olho nos olhos profundamente como se buscasse desesperadamente por sua alma, mas nada vejo. Fico desconcertado, ela pouco fala. Talvez porque eu falo demais e ela não ache espaço. Uma completa desconhecida. Minha filha não acha espaço em mim, seu próprio pai. A agonia de não saber quem ela é, me faz falar ainda mais. Quero ocupar o tempo. Não transpareço a ansiedade que sinto (que ela pensa, afinal?). E a confusão de não saber lidar com isso. Alguém que não vi crescer, que não vi tornar-se e me chegou pronta, assim desse jeito. Velho, sem grandes conquistas, e de menores expectativas. Me apego a minha experiência de vida para termos assunto, e professo do mundo que é meu. É quando me desperto para o fato de que ela não está nele e eu só posso estar no dela em ausência. É sempre assim. É certo que seu rosto e fisionomia guardam espelhos dos meus rosto e fisionomia. É certo que seus olhos me agoniam e me confortam, porque vejo alguns rabiscos de mim mesmo. Reconhecer traços de semelhança, me conforta e eu me dou a falsa impressão de que sei com quem estou lidando. Meu sangue. O olhar é recíproco, os olhos guardam a mesma cor. Debaixo da cor que eu lhes dei de herança, o segredo: quem é essa mulher? A única coisa que seus olhos deixam escapar, da verdade que são, é que há motivos. E a vida corre, sempre. Não saberemos nessa vida talvez. Há mais mistério no mundo do que somos capazes de compreender e, se as coisas estão assim é porque assim chegaram a ser. Não há porque revolver em terra infértil. É como está. É preciso deixar. É como é. Talvez numa próxima aja jeito de ser diferente. Não sabemos como foi, sabemos que estamos assim. E que meu convite para um sorvete nunca será aceito, e que meu telefone nunca receberá uma chamada dela. E eu, nunca saberei a data do seu nascimento.


Como se, por acaso, dos restos da maçã comida que eu joguei pelo chão, houvesse brotado uma macieira.O desenho das folhas e a qualidade dos frutos foram definidos pela genética óbvia. Mas, a direção que cresceram os seus galhos, o seu tamanho, sua generosidade ou pobreza frutífera, sua vistosidade, sua espessura e envergadura são únicos. E eu nada vi surgir, e eu nada tive de influencia, mérito ou culpa. Uma árvore que eu nunca reguei, que vingou por ela mesma. Dei-te tão pouco, mas foi o suficiente. Derradeiro. Não precisou mais do que de meus restos para nascer e ser o que é. De nada mais precisou - ou precisa - de mim.

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