"As reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho" - Mário Quintana
domingo, 2 de junho de 2013
De manhã, minha vó veio me dar notícia de que tinha chorado. Havia morrido um dos rapazes que, vez ou outra, vinha entregar água aqui em casa. Ouvi todo o caso e as lamentações de minha vó com ar de paisagem. Nada posso concordar com ela. Vovó mal conhecia o homem. Lamentou por ele ter deixado dois filhos pequenos. Afirmou que o morto era um homem sorridente, que parecia "gostar tanto de viver" e que era ainda tão jovem. Como se o direito a morte só pudesse ser dado aos velhos. Felizmente, Deus é mais justo que os homens e permite que a morte chegue para qualquer um. Nada disse a minha vó, não podia fingir condolências, nem forçar uma tristeza que não sentia. O que senti foi pura inveja. Quisera eu poder ter a eternidade de uma morte antes dos 30. Não sei há quanto tempo eu esperava por morrer, não me lembro quando e nem como começou esse meu desejo. Minha idade, mesmo que pouca para alguns, já me era muito: muito custosa, muito pesada, muito densa, muito sofrida. Minha vida era desnecessária a mim. Talvez fosse necessária a alguém. Mas a mim, não era. Olhei o mundo cara-a-cara por diversas vezes e não gostei nada do que vi. Tenho muito mais motivos para não gostar da vida e para não criar boas expectativas sobre ela. Há, obviamente, uma beleza e um prazer em tudo, e não nego ter coisas boas para me recordar depois de morta. Talvez, chegue a sentir saudade. Mas, certamente, se pós morte me perguntarem por minha preferência, responderei que quero continuar em meu sono eterno. E se me mandarem de volta, acredito que vou nascer chorando mais do que chorei desta vez, se é que isso é possível. Chorei, sem descanso até os dois anos de idade. Não dormia e comia mal. É isso, á nasci sem vontade de nascer... Quando finalmente chegar minha hora, não tenho dúvidas de que estarei pronta. Mais do que isso, estarei radiante. O grande sonho se realizará. Não penso em suicídio. Mentira, vou reformular: não cometeria suicídio. Nem cometerei. É indigno, é desonesto. Há que esperar o prazo da validade, de boa vontade ou não. É um transtorno, enorme. Interminável espera. Entretanto, já não tenho outra alternativa. Não consigo querer outra coisa com tanto amor. Me afeiçoei a ideia de morrer, como faz um filho a mãe. Nada me parece ser mais prazeroso. Nenhuma outra opção parece capaz de me trazer tanta paz. Há muita dor na vida. Ninguém sabe a dor que eu sinto quando abro os olhos, todos os dias, e preciso me levantar. Na vida, posso dizer que tenho duas certezas: a de que vou morrer um dia; e a outra é a de que uma pessoa estará comigo até o dia em que eu morrer: eu mesma. A segunda certeza é o que me faz ansiar tanto pela primeira certeza. Sabendo que jamais conseguirei livrar-me de mim mesma e; que sou a causa de toda minha desgraça, logo, jamais poderei livrar-me de minha desgraça - a não ser que me livre de mim mesma. É uma condenação: viver minha vida comigo mesma, até o fim. Só de falar, me pesam um pouco mais os ombros. Sorte tem esse moço. Se ele carregava apenas água nas costas ou o peso morto de uma vida que já não tinha, não sei. Só sei que ele já não tem mais corpo. E quem não tem corpo não carrega peso, flutua por não sofrer sob a lei da gravidade. E se regala por não ter que dar conta de estar vivo.
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Um comentário:
Esse poderia eu mesmo ter escrito.
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