Anelise fez tudo como de costume. O relógio despertou as 6:30 e ela ficou na cama até as sete. Então, levantou-se, foi ao banheiro, olhou a cara e urinou. Voltou no quarto pegou o celular. Ligou o celular e o colocou na mesa da cozinha. Se pôs a lavar a louça do jantar. Começou pelo copo. "Tananã", uma mensagem. E ensaboava o copo. "Tananã", duas mensagens. Começou a enxaguar o copo. "Tananã", três mensagens. Ainda enxaguando o copo. "Tananã", quarta mensagem. Examinando o copo lavado percebeu uma sujeira e passou a esponja em cima. "Tananã", quinta mensagem. Enxaguando novamente o copo. "Tananã", sexta mensagem. Examinando a provável permanência da sujeira. "Tananã", sétima mesagem. Constantando o copo limpo. "Ah o copo limpo!" e ela o olhava com ar de satisfeita. Mas então muda de expressão se assusta: "pera aí: sete mensagens? SETE MENSAGENS? Oh meu Deus, oh meu Deus!". Num salto pega o celular e confere: sete mensagens. Anelise deixa o copo cair. Enquanto os pedaços do vidro ainda correm para debaixo da geladeira e do fogão, ela já está no quarto aflita e se vestindo depressa. "Rogério, Rogério".
Anelise conhecia Rogério a doze anos, a oito tinham rompido o namoro e a cinco Rogério tinha adquirido toc (transtorno obscessivo compulsivo). Desses cinco a tres eles tinham se tornado bons amigos e a dois Rogério mandava oito mensagens diária, pela manha para Anelise. Rogério considerava "oito" seu número de sorte: o dia em que nasceu sua mãe e ele também, o mês que conseguira ir morar sozinho, a idade em que tinha sido mais feliz porque tinha ganhado um livro que tinha mudado sua vida. O título desse livro Rogério não contava a ninguém, porque não queria que ninguém mais no mundo soubesse o que ele sabia. Ele sabia que muitas outras pessoas haviam lido esse livro além dele, mas ninguém tinha percebido o enigma que havia na oitava linha da oitava página. Caso mais alguém no mundo tivesse percebido, ele saberia. Uma permutação simples da primeira letra de cada uma das dezesseis (duas vezes oito) palavras dessa linha, ia formando um código secreto que havia mudado o que ele entendia por "mundo" para sempre.
Tudo era oito: o número de dias que se hospedava num lugar quando viajava, o número de vezes que tocava uma campainha, o número de vezes que piscava os olhos antes de dormir, a quantidade de torradas que comia no café da manhã e de mensagens que mandava para Anelise todos os dias. Todas as mensagens era iguais: bom dia! Rogério achava que Anelise precisava de oito mensagens para ser feliz e que Deus o tinha incubido da felicidade dela. Eles haviam se conhecido numa sala de espera por atendimento psicológico. Os psiquiatras diziam que Anelise tinha depressão maior, quadro de ansiedade, dentre outros blábláblás e que Rogério tinha o tal transtorno. Há dois anos que Rogério tinha sacado que Anelise precisava de seus oito bom dias para não cair em depressão novamente, tarefa que ele cumpria com gosto e disciplina. Nunca nesses dois anos ele tinha falhado ou se esquecido. As oito mensagens chegavam fizesse chuva, frio, sol; ele estando doente ou são, havendo catástrofe ou o que fosse.
Anelise o achava maluquinho, mas tinha um enorme carinho por ele e respeitava sua teoria, aliás, não tinha mal nenhum, se isso era importante para ele, para ela não havia problema. Achava bonitinho que ele se importasse com ela. Na verdade Rogério se importava antes com ele e mandava mais as mensagens por medo de ser punido pelo Deus, ou pelo fato de que não cumprindo sua tarefa, se sentisse culpado pela recaída que Anelise teria obrigatóriamente perante a doença. Mas o fato é que naquele dia, só haviam chegado sete mensagens. Sete. Algo estava errado.
Mil coisas passavam na cabeça de anelise enquanto ela se vestia apressadamente. Rogério morava sozinho numa rua perigosa do centro da cidade. Anelise já havia o alertado várias vezes sobre assaltantes e sempre o pedia para tomar cuidado, já que se mudar era inviável. Já havia um tempo que Rogério vinha percebendo que um certo homem o vigiava, sempre falava dele para Anelise. O fato é que ela nunca acreditou muito nele, achava que era mais uma fantasia da cabeça dele. Claro que quando ele contava, ela fingia dar maior atenção e demonstrava uma preocupação enorme, sempre dizendo a ele que o melhor era se mudar logo. "Você sabe que não posso Ane, preciso esperar completar oito anos de moradia para que possa me mudar.". Anelise achava graça e ria escondido pelo telefone. Sabia que a amizade dos dois só existia pela confiança que um tinha no outro e pelo fato de que se compreendiam e se respeitavam.
Agora, Anelise se sentia culpada por não ter levado Rogério tão a sério e as lágrimas rolavam de seus olhos. Não escovou os dentes, não penteou o cabelo, pôs uma meia furada e o casaco do avesso. Foi atrás do homicida. Pegou um taxi até o prédio de Rogério, pediu que o taxista esperasse, teve medo de que precisasse sair correndo do assassino. Só aí que ela pensou que o assassino ainda poderia estar no apartamento. Perguntou por Rogério ao porteiro, mas ele disse que estava entrando agora no turno e que o outro porteiro tinha acabado de sair e que não sabia nada do Seu Rogério não senhora. Anelise respirou fundo. Preferiu ir de escadas para fazer menos barulho. Já tinha ido longe demais, por mais que estivesse com medo, não podia deixar seu amigo sozinho. Talvez ele ainda estivesse vivo, e esperatemente mandou apenas sete mensagens para que Anelise percebesse e viesse socorre-lo. Anelise suava frio, já se arrependia de não ter pego elevador: Rogério morava no oitavo andar, claro. Por um lado foi bom porque estava tendo tempo de pensar. Estava começando a medrar e chorava de nervoso. A tensão estava tomando conta dela, snetia seu corpo tremer e o suor descer gelado. O estômago doía, a boa ficou seca, a respiração mais e mais ofegante a cada lance de escada.
Estava com frio, pensava em Rogério, somente em Rogério. No dia em que haviam se visto pela primeira vez, de como ele a sempre fez rir, dos anos que passaram juntos, de quando conheceu a mãe dele e como ele era feliz ouvindo as oito badaladas que a igreja perto da casa de sua mãe dava as oito horas em ponto. Lembrou-se de tudo e também dos momentos ruins, e começou a se sentir mal por rir de Rogério escondido. E chorou, teve que parar no oitavo andar para chorar. A cabeça confusa, não sabia que fazer. Ficou um bom tempo ali no sexto andar. Parou de chorar, ficou um bom tempo contemplando o nada e se preparando para o pior. Tomou força e subiu os dois andares finais. Já no oitavo andar foi andando até ver reluzir na luz do dia o número "808" na porta. Que faria? Que faria? Foi quando ouviu o elevador, ela estava de frente para elea alguns poucos metros de distância, viu quando ele parou no andar que ela estava. Estava atônita, sem palavras, sem reação. A porta do elevador se abriu e surge Rogério suado com uma sacolinha na mão. "Minha amiga, que faz aqui!? Anelise que houve? Está pálida, está chorando." Ele ia andando apressado até ela que o olhava como qem via um fantasma. Ele a segurou forte pelo braço e olhou dentro dos olhos e antes que perguntasse o que havia ela disse quase sussurando: "sete mensagens". Ele estatelou os olhos, ficou nervoso. "Eu sei, eu sei, me perdoe. Ai meu Deus... meus créditos! Meus créditos acabaram, demorei até consegui achar um cartão da Oi, não tinha na banca aqui da calçada, nem na padaria aqui da frente, tive que andar um bocado, não sei que houve nessa cidade, só fui achar muito lá embaixo perto do bar do Jorge... mas eu mandei a mensagem! Assim que consegui o cartão, você não recebeu?".
2 comentários:
Haha acho que encontrei. Mesmo sendo uma personagem, encontrei alguém mais ansioso que eu!!! Amei demais teu jeito de escrever Li, muito gostoso de ler esse texto! Elogiarei oito vezes, ao longo desse dia! hehe
beijinho!
Ai, esse texto dá um friozinho na barriga, um suspense ... adorei!!! Seus textos são sempre maravilhosos. Bjs
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